Criminal: Capítulo 5 - Saturday Night


“I’m gone and I ain’t coming back this time. I’m gonna find my home underneath the city lights” (Natalia Kills)
Era meio desconcertante ficar sozinha num pub. Principalmente quando se está sentada numa mesa para dois, esperando a segunda pessoa, quando se é menor de idade e quando há mais homens que mulheres no recinto.
Apesar da minha maquiagem pesada, da minha cara de má e da tatuagem cobrindo meu braço direito eu me sentia completamente débil, fraca e vulnerável a todos ao meu redor. Era assim que eu me sentia boa parte do tempo e talvez fosse por isso que eu sempre quisesse parecer tão durona, não imbatível o tempo inteiro.
Eu era um clichê social. A durona por fora, medrosa por dentro. Era o tipo de coisa super comum entre os homens. Haviam tantos que fingiam ser os machos corajosos que nunca chegariam nem perto de ser que eu chegava a achar graça. E eu não entendia porque eu queria parecer tão invulnerável.
Meus dedos tamborilavam pacientemente sobre a madeira da mesa. Eu já estava na metade de um copo de água. Eu não bebia. Tinha medo do que a bebida poderia fazer com a minha mente e acabar revelando quem eu realmente era.
Eu era tudo aquilo que eu negava.
Escutei enquanto The Doors ecoava pelo lugar, Roadhouse Blues era realmente o hino do rock clássico dos anos 70, eu sabia disso porque meus pais eram fãs deles quando se conheceram. Inclusive a blusa que usava de pijama era uma camisa enorme e amarelada, graças ao tempo, que minha mãe tinha quando começou a namorar meu pai.
Foi nesse embalo que vi a portinha de madeira do estabelecimento abrir, não fez nenhum som, o som da música era muito mais alto do que o daquela enorme porta pesada. Apesar de tudo, não pude deixar de dar um enorme sorriso quando Jamie apareceu. Ele deu uma coçada na nuca e veio em direção a minha mesa.
Eu já sabia o que ele iria pedir. Cerveja. Ele sempre pedia uma cerveja, só que mais leve, para começar a noite, provavelmente iria num club de house que ficava há dois quarteirões do pub que costumávamos a ir. Eu conhecia os amigos dele não eram exatamente da faculdade. Era do Ensino Médio ainda. Jamie era bom em manter as amizades, eu nem tanto. Sabia que algumas pessoas de meu antigo colégio, antes de eu ir para o inferno, ainda se lembravam de mim, mas já não me chamavam para as festas, nem me mandavam mensagens ou mantinham contato por redes sociais. Era frustrante.
E mesmo assim ele ainda estava ali, com aquele olhar terno que eu sabia que dirigia especialmente para mim. Eu tinha medo que um dia ele quisesse ir embora ou algo assim. Eu tinha medo de me imaginar sem meus amigos mais próximos. Eu não era a melhor pessoa do mundo para me socializar, mas Jamie... Ele era mais que um amigo. Eu sabia perfeitamente disso.
Na verdade nosso passado já dizia muito por nós.
Ele se sentou a minha frente e fez exatamente aquilo que eu estava esperando, colocando de extra em seu pedido uma porção de batatas fritas. Ele adorava batata frita, era tão engraçado quando ele resolvi fazer piadas envolvendo elas, que eu me surpreendia com a sua capacidade de ser criativo.
- Boa noite, menina do cabelo bagunçado. – Ele disse, se levantando de seu lugar e me beijando por cima da mesa. Eu gostava de quando ele fazia isso comigo. Gostava de quando ele demonstrava carinho por mim, principalmente em público. Principalmente porque as pessoas não pareciam ir muito com a minha cara, com meus gostos exóticos e com tudo mais que cercava meu ser.
- Boa noite, menino do cabelo arrumadinho. – Ele fez um biquinho, mas era um fato que seu cabelo raramente saía do lugar, o que chegava até a ser engraçado nele. Jamie não deixou de dar de ombros, jogou sua cabeça para trás e passou os dedos sobre os fios, o movimento era lento e torturante, como se ele tivesse pensando em algo.
- Faz tempo que a gente não sai... Andei sentindo sua falta, você sabe. – Aquela frase me deixou vermelha. Claro que me deixou vermelha. A forma na qual ele usou para dizer aquela frase, como seus olhos doces focaram nos meus e deram um meio sorriso, com um leve ar de tristeza enquanto sua mão tocava na minha, as pontas uma das outras se tocaram lentamente. Meu corpo ficou arrepiado, senti minha bochecha corar levemente, meu corpo se encolheu um pouco.
- Eu acho que a gente deveria... Sei lá, criar uma formalidade para nossos encontros. – Ele ergueu uma sobrancelha enquanto a garçonete colocava uma porção gigantesca de batatas fritas na nossa frente e entregava a ele uma garrafa de cerveja. Ele bebeu um gole. Apesar de tudo ele não precisava usar muitas palavras comigo. Eu e Jamie tínhamos o maravilhoso hábito de conversarmos por olhares e atos.
- Formalizar como? Oficializar nossa relação? – Eu iria dizer antes, mas ele acabou falando. Eu achei que ele iria ficar quieto, porque geralmente Jamie se calava depois de levantar as sobrancelhas daquele jeito.
- É? Não sei... O que for melhor para você. Estava pensando mais em colocar... Como eu posso dizer... Um compromisso de encontros mais rotineiros. Tipo, de nós sairmos todo fim de semana, sabe? – Eu tentava explicar. A ideia do namoro me pareceu muito interessante durante toda a semana, mas de repente pareceu completamente dispensável, como se eu não quisesse ou não me sentisse pronta para ter o título de “namorada” de alguém naquele momento. Eu não me sentia confortável com a ideia de que quando Jamie intensificasse um beijo eu acabasse pensando em Alex.
Eu e Jamie nos conhecíamos há tanto tempo, como um membro real estava destinado a outro desde o dia de seu nascimento, Jamie estava destinado a mim. E não era algo ruim, na verdade estava mais do que na hora de eu oficializar meu relacionamento com ele, com meu aniversário de dezoito anos chegando, minha entrada na faculdade e tudo mais se aproximando rapidamente eu percebia que precisava sair daquela etapa.
Era como se eu precisasse cumprir meu destino.
- Eu estava pensando em te pedir em namoro fazia um tempo, mas pensei em fazer algo melhor. – Ele comentou, pegando duas batatas e colocando na boca. Fiz a mesma coisa. Peguei o garfo, pesquei uma boa quantidade e coloquei na boca, como forma de evitar que eu falasse alguma besteira.
Quando eu era menor minha mãe fazia algo do tipo comigo, quando eu ficava muito ansiosa e começava a falar demais, o que geralmente acontecia em viagens longas, ela levava uma garrafinha de água e me desafiava ficar o máximo de tempo com o líquido na boca, assim eu ficava quieta.
- É que eu daqui a pouco estou saindo para encontrar o pessoal, como eu disse, na verdade eu só passei aqui pra te ver porque estava com saudades. Você disse que estava em casa sozinha e eu fiquei em dúvida se deveria aparecer lá ou se seus pais ficariam chateados.
Mastiguei enquanto ouvia as palavras de Jamie. Ele sempre pensava no que seria melhor para todo mundo, sempre pensava muito nos outros. Era por isso que ele seria médico, não apenas um desses comuns que te atendem na emergência do hospital quando você passa mal de madrugada, mas um ótimo médico. Eu tinha certeza de sua capacidade. Eu tinha certeza que ele seria o melhor de todos.
Ele seria o melhor namorado de todos.
- Eles não ligam. Essa semana mesmo foi um garoto lá da escola me entregar um caderno. Se você for então, acho que eles vão até gostar, se eu ligar pra mamãe e avisar que você vai lá capaz de ela liberar dinheiro pra eu ir ao supermercado comprar algo pra fazer pra você. – Comentei. Ele sorriu de lado, passou a mão no cabelo, de um jeito que ele fazia para ajeitá-lo e virou a cabeça para o lado levemente. Eu tinha que admitir que tudo que ele fazia era perfeitamente lindo e me deixava bamba.
- Então já que você está pensando em algo formal, amanhã vou passar lá umas três horas antes do treino de polo para te fazer um pedido extraoficial. Se quiser pode até chamar seus pais para assistir por skype. – Dei uma risadinha enquanto ele bebia um longo gole da cerveja e comia mais uma boa quantidade de batata. Eu estava hipnotizada pela forma que seu sorriso estava lindo, pela forma como eu via esperança em seus olhos. Era como se não estivesse acontecendo mais nada no mundo além de nós dois naquele pub. Make It Wit Chu da banda Queens Of Stone Age tocava no fundo o que dava um toque sexy a aquela situação. Eu odiava como minha cabeça sempre acabava me levando a pensar besteiras com ele, apesar de toda sua santidade aos meus olhos.
- Olha, eu tenho que confessar: Adoro esse seu lado romântico incurável. – Ele piscou um olho, fez uma pose e acabou me fazendo rir. Eu não conseguia tirar meus olhos dele, não conseguia olhar pra outro cômodo, não conseguia...  Não conseguia nada. Só suspirava e olhava com a minha expressão mais boba apaixonada. Ele devia adorar aquilo tudo, claro.
- Eu sou romântico incurável. – Dei uma risadinha enquanto ele pegava uma garfada e colocava na minha boca. Fiz o mesmo e rimos como dois bobões do que havia acabado de acontecer. Ele olhou no pulso, checou as horas e me lançou um olhar desanimado.
- Minha gatinha, eu tenho que ir. – Fiz um biquinho, ele se levantou, abaixou seu corpo, passou a mão na minha nuca e me deu um beijo forte, eu sentia nossos lábios se colarem, brincarem um com o outro. Eu sentia o gosto ácido da cerveja e o forte gosto do álcool. Eu sentia que meu futuro era certo e bom ao lado dele, eu estava beijando os lábios do meu futuro marido e nada no mundo iria mudar aquilo. Absolutamente nada.
Ele se levantou, rompendo um dos que eu acreditava ser um dos momentos da minha vida. Ele tirou a carteira do bolso e deixou uma nota sobre a mesa.
- Para pagar minha cerveja e a batata. – Ele disse se levantando, acenando pra mim, e se afastando. Mas em nenhum momento tirou seus olhos de mim, como um homem apaixonado.
- Até amanhã, moço arrumadinho.
- Até amanhã, bruxinha. - Jamie jogou um beijo e foi em direção a porta, em direção aos amigos, a vida real.
E eu fiquei ali, sentada, parada, olhando o movimento da enorme janela de vidro do pub, vendo as pessoas andando de um lado para o outro na rua, ouvindo uma banda que eu não conhecia tocar ao fundo.
A ponta dos meus dedos correu em direção aos meus lábios e os tocaram.
Não era meu primeiro beijo que eu tive com o Jamie. Estava longe disso. Minha relação com ele começou aos 13 anos. Foi com ele meu primeiro beijo, e pelo que tudo indicava, o último também estava destinado a ser com ele.
Minha cabeça estava distante demais, eu pensava em tantas coisas, meus olhos inclusive estavam fechados, nem percebi que o ambiente mudou completamente. Como se o ar tivesse ficado repentinamente pesado, abri os olhos, inclusive a música que tocava foi trocada por um heavy metal. Era como se tudo indicasse que algo diferente estava acontecendo ali. Abri meus olhos. E como se eu sentisse meu estômago pesar vi quem estava bem a minha frente. Entrando no bar como se tivesse caçado pela minha presença pela noite de Londres. Como um caçador.
Pude ver a forma que um sorriso maldoso se formou em seus lábios quando ele me viu ali.
Ele usava uma camiseta surrada com uma estampa do James Dean, o que inegavelmente era sua maior inspiração, que estava com as mangas dobradas, vestia seus jeans e botas habituais, notei que ele também estava com um colar de identificação do exército. Cheguei inclusive a me perguntar se ele já havia servido ao serviço militar em algum momento de sua vida.
Ele me olhou com maldade, eu sabia de todos os pensamentos que estavam passando em sua cabeça e aquela sensação de paz que eu sentia logo depois da doce presença de Jamie ter saído havia desaparecido completamente.
Xinguei baixinho dentro da minha cabeça.
-Não sabia que a menina arrogante saía de noite. Principalmente para um pub como esse. – Ele disse sentando no banco a minha frente.
Os bancos daquele bar eram pequenos sofás, por ficarem encostados na parede. Aquela era uma mesa que dava tanto para quatro quanto para duas pessoas. Alex se jogou no banco, sentando de uma forma que fazia com que ele ocupasse um lugar que originalmente era para dois. Tive ódio dele por causa daquilo.
- Eu saio sim. – Ele olhou a mesa, viu os dois garfos, viu a garrafa de cerveja vazia e a porção de batatas fritas pela metade.
- Sai acompanhada pelo visto. – Ele disse observando a mesa cautelosamente, como se examinasse meus hábitos e outras coisas. Não consegui deixar de conter minha expressão de desprezo para ele.
- Pois é né. – Não estava com muito saco para conversar. Principalmente com alguém que eu preferia que estivesse morto, que era o caso dele.
- Sai acompanhada, de noite, num bar e bebe água. – Ele deu uma risada, zombando da minha situação. - Você é religiosa?
- Você está me perseguindo? – Ele levantou as mãos como se estivesse se rendendo. E deu uma risada logo depois.
- Jack! – Ele gritou. O barman do outro lado do balcão olhou para ele. O homem parecia um sobrevivente do tráfico de drogas, com várias cicatrizes pelo rosto e umas tatuagens de presidiário.
- Desce duas pra mim. – Alex deu uma piscada para o homem e voltou sua atenção para mim.
- Eu não bebo. – Alex me olhou nos olhos. Eu sentia aquela duas orbes negras me cortarem como duas facas, me atingindo no peito e me rasgando. Eu sabia que aquele era o efeito dele em mim.
- Você é religiosa? – Revirei os olhos.
- Não. – A garçonete chegou à nossa frente e depositou dois copos cheios de whisky. Olhei a bebida marrom no copo, com cubos de gelo fazendo volume no recipiente.
- Então você vai beber hoje. – Ele disse pegando o copo na mão fazendo uma menção ao que seria um brinde virando um bom gole.
Olhei para o copo novamente, não conseguia acreditar que estava prestes a fazer aquilo. Sentia como se Alex estivesse fazendo uma lavagem cerebral em mim. Eu não bebia, eu tinha medo, eu... Eu não queria tanto me libertar? Não queria tanto dar um passo na minha vida? Mostrar que eu era adulta? Então eu precisava fazer aquilo.
Peguei o copo, senti o toque frio da superfície dele e virei goela a baixo.
Senti o gosto forte queimar minha garganta, meus olhos lacrimejarem, meu corpo inteiro ser tomado por uma sensação de adrenalina perfeita. Eu não sabia o que era aquilo, não sabia como era sentir minha mente ficar zonza, aquela coisa... E eu queria mais.
Apesar do gosto forte tomei um gole bem generoso e olhei para Alex logo em seguida. Sentia meus olhos zonzos.
- Eu disse que você ia gostar. – Ele comentou dando uma risada logo em seguida. – Só não sabia que ia gostar tanto.
Dei de ombros, olhei para o que sobrava no copo e virei. Alex fez o mesmo.
- Eu quero mais. – Comentei  girando o gelo no copo que já não abrigava nenhum líquido. Alex deu uma risada e terminou o conteúdo do seu copo também.
- Eu te levo na minha casa, lá tem mais. – Era como um desconhecido oferecendo uma promessa de doces para uma criança “por que não vai a minha casa? Tenho mais doces para você comer”, diria um pedófilo após oferecer uma bala para uma criança num parque, se ela aceitasse sabíamos muito bem que fim terrível ela teria, minha mãe me alertara tanto sobre isso quando eu era criança.
- Vai dirigir depois de beber? – Ele deu de ombros e me olhou com desdém.
- Eu sou um ótimo motorista, vai por mim. – Ele se levantou, pegou as chaves da moto n o bolso e girou em seu dedo indicador. – E aí? Vem ou não?
Talvez eu precisasse de uma despedida de solteiro.
Me levantei.
Alex deixou uma nota de 25 libras, muito mais do que havíamos gastado naquela noite, na mesa.
- Fica com o troco. – Ele disse para a garçonete, me pegou pela mão e me levou para o incerto.
Eu não estava acostumada com coisas incertas.
Aquilo me excitou profundamente. Eu queria aquilo.  

3 comentários:

  1. “Apesar da minha maquiagem pesada, da minha cara de má e da tatuagem cobrindo meu braço direito eu me sentia completamente débil, fraca e vulnerável a todos ao meu redor. Era assim que eu me sentia boa parte do tempo e talvez fosse por isso que eu sempre quisesse parecer tão durona, não imbatível o tempo inteiro.
    Eu era um clichê social. A durona por fora, medrosa por dentro.” Cara, detesto me abrir, mas nunca me identifiquei tanto na minha vida. Amei o fato de ter tocado Roadhouse Blues, que é a minha favorita dos Doors ❤️ Amei esse capítulo, quero só ver aonde isso vai dar.

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  2. "- Eu não bebo. – Alex me olhou nos olhos. Eu sentia aquela duas orbes azuis me cortarem como duas facas, me atingindo no peito e me rasgando. Eu sabia que aquele era o efeito dele em mim" ue, os olhos do alex sao azuis nessa fic ou eu que interpretei errado? Hauahueha

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    1. Ela é a versão de outra fic, eu esqueci de corrigir a cor dos olhos HUSAUHSAUHUHA foi mal

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