505 (Extended Version): Track 2 – Side A



O cansaço tomava conta de cada molécula do meu corpo mórbido. Eu estava tentando fazer o grande feito de subir as escadas ao invés de usar o elevador.
Cinco andares. Subindo e enfrentando a gravidade, me cansando, mas eu queria aquilo. Queria tanto que apesar da mochila pesada em minhas costas eu ainda sim subia. Com força, vontade e gostava daquilo.
Eu não queria deixar um resquício, não me importava o menor que fosse, de energia no meu corpo. Como se eu tivesse alguma reserva depois de dias tão pesados como aqueles. Mas como boa masoquista que era, ou deveria ser pelo menos, eu aguentava firme, sem reclamar o demonstrar sinais de quem queria desistir.
Eu sou durona, cabeça difícil de lidar. Quando coloco algo em minha mente eu vou até o final e não demonstro um sinal sequer de dor ou falta de vontade. Isso deveria ser algo que me levasse longe, mas minha vida estava cada vez mais difícil e eu sabia disso porque eu sentia o cansaço entranhado da minha alma. Nem era algo mais físico, mas sim chegava a um ponto que já se tornava quem eu era.
Quando cheguei ao meu andar, empurrei a porta que parecia cinco vezes mais pesada do que normalmente era.
Um cheiro impregnou o corredor e só fui notar o que era quando olhei para porta do meu apartamento.
Lá estava um homem. Sentado no chão, com um restinho de cigarro na mão e uma garrafa vazia de cerveja na outra. Ele me olhou e eu notei o quanto seu olho estava vermelho, assim como seu nariz. Logo percebi que ele estava chorando.
Me identifiquei com aquilo de uma forma completamente esquisita.
Deveria ter sentido pena, mas senti nojo dele.
Observei suas roupas, uma camisa preta, casaco de couro, jeans surrado, bota e um óculos de sol aviador repousando na gola da camisa. Mordi o lábio inferior sem saber o que fazer com ele.
- Oi? Você quer ajuda? – Por um milésimo de segundos comecei a me sentir um lixo. Lembrei do meu estado na noite anterior. Eu estava igual a aquele homem. E se fosse parar para pensar ainda estava. Porque as minhas roupas estavam imundas, o meu corpo demonstrava cansaço e ressaca, meu cabelo estava horroroso. Tudo demonstrava uma falta de cuidado enorme e um martírio sem fim.
Mas eu não poderia negar que aquele homem estava parecido comigo.
Eu deveria sentir pena? Não. Eu não queria que ninguém sentisse pena de mim no estado que eu estava. Vontade de ajudar?  Sim, talvez fosse isso. Porque era isso que eu queria que as pessoas se sentissem. Com vontade de me ajudar, de me colocar para cima, de me tirar daquele buraco.
Mas estava fazendo da pior maneira. E só descobri na presença daquele homem.
- Eu quero morrer... – Ouvi ele sussurrar baixinho.
Eu sabia o que era aquele sentimento.
Ele cambaleou enquanto tentava se levantar. Uma cena realmente de dar pena. E o pior é que eu comecei a achar aquela rapaz até atraente. Em seu cabelo eu encontrava vestígios de gel de cabelo no que parecia ter sido um topete anos 50.
- O amor é um cão dos infernos... – Dei um leve sorriso com ele citando Bukowski, ou o título de um livro dele.
Talvez eu só devesse ler um pouco mais das poesias daquele escritor para me sentir menos sozinha, mas será que ia adiantar mesmo? Eu me sentia um lixo completo, apesar de estar na presença daquele homem que estava irrevogavelmente pior.
Ou ele era apenas um reflexo de como eu estava no dia anterior.
Ele jogou a bituca do cigarro no chão, pisou de um eito desengonçado que me fez ter vontade de rir.
- Você tem ideia de como eu me sinto? – Ele falava apontando o dedo para o meu rosto de uma forma que me deixou um pouco assustada. O homem tentava se manter em pé apoiando na parede, mas estava nítido que ele precisava de um apoio maior do que aquilo ou ele iria apagar ali mesmo. - Eu fui à casa dela... – E nesse momento comecei a notar uma lágrima se formando no olho do homem. Um olho castanho, escuro que trazia uma impressão de profundidade. – E ela me tratou igual merda. – Ele começou a chorar de novo, usando a mão livre, a que estava com a garrafa de cerveja, para limpar o nariz e o rosto. Mordi o lábio inferior sem saber como reagir a aquilo e simplesmente me aproximei dele para tentar ajudar.
Eu estava me sentindo péssima de ver o circo pegar fogo sem fazer absolutamente nada.
- Onde você mora? – Não perdi tempo enquanto eu passava o braço dele ao redor do meu ombro. Era um homem mais alto do que eu, um pouco mais pesado apesar de ser claramente magro.
Ele apontou para o apartamento da frente, o 505 e eu comecei o que seria o trabalhoso processo de levá-lo para casa. Seu corpo tentava se manter em pé sem sucesso, o peso todo ia para os meus ombros e eu tentava mantê-lo equilibrado. Ele não caiu, nem muito menos eu, mas naquele caminho, que apesar de ser coisa de menos de 4 metros, pareceu uma eternidade pra mim.
Não só pelo peso do desconhecido, nem por seu cheiro que estava insuportável, mas pelo fato de que seu peso físico não era nada mais, nada menos do que o peso da minha mente.
Quando eu conheci o Peter, todo mundo dizia que a gente tinha tudo em comum. Eu estou na faculdade de arquitetura e ele na de engenharia civil. O que nos diferenciava era o fato de eu sonhar, já que minha profissão era essa, sonhar, projetar, colocar no papel e ele que mantivesse os pés no chão e cuidasse das contas e fizesse as modificações certas para que o sonho se tornasse realidade e não caísse completamente destruindo tudo ao seu redor.
Mas a vida é mesmo irônica, e foi por isso que na noite anterior era eu que estava igual a aquele homem.
Foi quando Peter, que já tinha problemas demais além dos cálculos que resolvia diariamente nas aulas de calculo avançado, começou a discutir comigo. Pense em um motivo bobo. Numa coisa bem idiota mesmo. Dessas que nenhum namorado discutiria com a namorada. Pois é.
Mas assim como o assassinato de Francisco Ferdinando estava para a primeira guerra, a porcaria da rivalidade entre Manchester United e Chelsea estava para a gente.
E enquanto eu carregava aquele homem era como se eu pudesse ver novamente aquela cena. Nós dois sentados na escadaria do Met almoçando depois da faculdade. Quando ele comentou sobre o placar do último jogo do Manchester.
- Hanm? Onde está o Manchester United no ranking da Premiere League mesmo? Não consigo ver nada! – Com esse pequeno comentário, seguido de um elogio para o Diego Costa, e a terceira guerra mundial se iniciou bem na escadaria.
A guerra que eu não queria ter começado, mas não me poupou de disparar bombas. Coisas presas na minha garganta há meses. Gritei, fiz drama, ele também. Parecia quase uma encenação da música Kiss With A Fist da Florence and The Machine, só que com agressões verbais, não físicas.
- Pega as chaves. – Ordenei. A lembrança do meu ex-namorado me deixou repentinamente mal-humorada. O homem percebeu por correu para pegar as chaves no bolso e acabando deixando por cair não só as chaves, mas uns “cents” ingleses e a sua carteira de identidade. Por curiosidade tratei de pegar o documento e descobrir seu nome.
Na foto ele estava bem diferente do que ele parecia naquele momento, seus cabelos castanhos circundavam seu rosto fino, sinais de espinhas e uma juventude que me pareceu muito tranquila. Tão tranquila e normal que ele sequer parecia o homem que havia se tornado e estava bem a minha frente.
Alexander David Turner, imaginei de cara que os amigos só o chamavam de Alex, ou Turner. Nunca pelo segundo nome e só a mãe o chamava de Alexander, ainda sim, apenas na janta de domingo.
Me peguei imaginando a vida daquele homem enquanto lia seus dados na sua identidade, mas ele parecia bêbado demais para perceber que enquanto eu tentava segurá-lo, de uma forma muito mal feita, e testar chave por chave em sua fechadura.
Ele era inglês, eu já havia percebido desde que ele disse a primeira frase. O sotaque era forte e dispensava apresentações.  Da cidade de Sheffield, eu também já deveria notar que ele era da província de Yorkshire por causa da tatuagem no pulso.
Ele tinha toda aquela aura de pessoa Cult demais. Principalmente pelo fato dele morar num prédio como o meu e mo Brooklyn. Eu não me lembrava daquele homem. Só sabia que havia sido por causa dele que na noite anterior eu entrara em crise existencial.
Esses britânicos com mania de Beatles...
Eu com essa mania de ser... Eu.
Finalmente encontrei a chave correspondente a porta e entrei o empurrando com todas as forças possíveis. Logo depois percebi que não precisava ter tido tanto trabalho. Alex se jogou no sofá como o bêbado desajeitado que ele era. Seu rosto ficou amassado contra a superfície, aparentemente, macia do sofá de dois lugares branco.
Liguei a luz do abajur ao lado do lugar onde o Alexander estava jogado. Não considerei o fato de chamá-lo de “Alex” em minha mente, porque eu achava que era íntimo demais para alguém que eu havia acabado de conhecer.
- Quer água? – Ofereci enquanto ia em direção a mesa dele. O apartamento, pelo menos a sala, era pintado de uma cor vermelha escura, um tom de vermelho cereja. No chão eu encontrava uma guitarra stratocaster aparentemente velha jogada ao lado de um cinzeiro cheio de restos de cigarro e uma garrafa de cerveja. Nas paredes haviam mais guitarras penduradas, como se estivessem expondo todo seu esplendor e historias. Notei de cara que ele era músico e comecei a imaginar se o conhecia de uma dessas noites que passei na cidade, curtindo os bares e boates ao lado de Marie e Peter, mas sinceramente minha memória parecia afetada com o excesso de caos.
Peguei uma das várias canetas em cima da mesa. Haviam papeis embolados, versos de poesias e manchas de xícara de café, Alexander não parecia ser o tipo de pessoa que gostava de dormir.
Notei que a primeira estrofe que apareceu na minha frente me chamou muito a atenção.
“I'm going back to 505
If it's a seven hours flight
Or a forty-five minute drive
In my imagination
You're waiting lying on your side
With your hands between your thighs”
E por algum motivo, eu senti que aquela estrofe me parecia comum. Como se eu tivesse escutado-a em algum lugar. Sacudi a minha cabeça, não precisava de mais homens transformando minha vida em uma bagunça sem fim, como se já não estivesse cansada demais, como se já não tivesse... Acabada.
Tentei ignorar as páginas escritas em uma letra corrida, com manchas de tinta e lágrimas no papel. Fui até  a última página para arrancar a folha e deixar meu nome e meu telefone para que ele entrasse em contato, só pra me dizer se estava tudo bem com ele ou eu deveria me preocupar.
Eu não queria um homem a mais, mas queria um amigo. Por isso pensei que colocar meu nome para que aquele homem me ligasse ou batesse na minha porta.
Mas a minha cabeça ficou ainda mais confusa quando eu cheguei na última página, vi ali, meu nome e meu número de apartamento. Olhei para o homem já adormecido no sofá. Pensei que ele fosse um psicopata e cogitei correr, mas estava tão desgastada que nem meu cérebro queria trabalhar em mais paranóias. Apenas coloquei meu número de celular, apaguei a luz, tranquei o apartamento passei a chave por de baixo da porta e fui dormir.

3 comentários:

  1. Isa Pinheiro24/10/2014, 02:00

    MAOE vamos adivinhar quem tem um projeto pra entregar amanhã, não dorme/come decentemente a dois dias, mas recarregou 50% de vida com alegria de um cap. de 505 <3
    Qual é a mágica de tu já conhecer a história, ler outra versão e se apaixonar mais ainda?
    sem palavras pra ti chará, APENAS aguardando loucamente mais um capitulo, que pra mim vem aquele momento delicioso da história, deles se falarem sem o alex estar semimorto kkkk
    beijoss

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  2. Eu amei a versão short dessa fanfic, e tenho que assumir, quase chorei quando vi essa versão que você começou a postar, to morrendo de vontade de conhecer mais a história desses dois. Entro aqui no blog todo dia pra ver se tem a atualização dessa fanfic (juro, só venho por ela). Estou esperando mais capítulos...

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  3. Raphaela L. Siqueira05/11/2014, 17:46

    Que capítulo enoooooorme <3 (obrigada por isso) =)
    A fic tá ficando maravilhosa! Esperando ansiosamente pelo próximo capítulo!

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