Now then, Mardy Bum O6: Save it for the morning after


Eis três coisas que me vem à cabeça assim que abro os olhos, num quarto que não reconheço: o cheiro suave de xampu e tabaco invadindo minhas narinas, um leve sopro no meu pescoço e o peso de algo em cima da minha blusa. Ou, mais especificamente, Alex deitado com o rosto enterrado em meu pescoço e sua mão esquerda segurando meu peito de um jeito que devia ser considerado ilegal.
Sua respiração é morna contra minha pele e se eu esticar o pescoço o suficiente, posso apoiar o queixo em sua cabeça, numa posição mais confortável, mas não é isso que faço. Estudo seu perfil, os cílios, o nariz e os lábios.
Minhas pernas estão nuas e toda ela, da panturrilha até a coxa está colada na calça de Alex. Os dedos dele tocam meu pé. Percebo que isso é o mais próximo que chegamos, desde o incidente de Tropeçar-e-cair-no-colo-dele-no-Hard-Rock, que foi completamente constrangedor e não sei o que pensar.
A cortina pesada não é o suficiente para esconder a luz que irradia das janelas de vidro. Não faço ideia de que horas são e de algum jeito, não quero saber. Me sinto exausta e descansada e essa mistura de sensações me desconcerta.
As cobertas estão jogadas no chão e a calça folgada esta baixa, de forma que posso ver aquelas duas entradas abaixo da cintura, que alguns caras têm. Sua barriga está longe de ser definida, mas ele tem braços relativamente fortes e mãos grandes (mãos que sorrateiramente passearam sob meu peito, durante o sono, aliás), numa combinação de masculinidade absurda.
Como num jogo de “pega a vareta”, tento de forma lenta e delicada retirar sua mão de cima de onde não deveria estar, sem acordá-lo. Seguro seu pulso e lentamente empurro para baixo, fazendo sua mão escorregar para minha barriga. Ok, não é aí que ela deveria estar, mas já é um começo, penso enquanto empurro com mais delicadeza ainda seu rosto da minha clavícula, substituindo meu ombro por um travesseiro.
Escorrego para fora da cama com um rápido impulso do corpo e me viro para cair praticamente em pé, no ultimo minuto, com a precisão de um ninja.
É nesse momento de realização pessoal que eu sorrio vitoriosa e dou um gritinho: — Há!
Ele acorda, obviamente, e eu me pergunto por que diabos fiz tudo aquilo para sair de fininho, se pretendia gritar como uma louca, quando conseguisse.
Ele coça os olhos e sorri e eu quase morro.
— “Há”? Isso é o equivalente para “bom dia” em português?
Não, é o equivalente para “eu sou uma anta”, em qualquer língua.
Alex me estuda, por um momento, o corpo meio deitado/meio sentado, sustentado pelos cotovelos. O cabelo está três vezes mais bagunçado do que o usual e os peitorais dele adquirem um ângulo interessante nessa posição. Depois coça os olhos, boceja e solta um grunido, deixando todo seu peso cair no colchão.
— Mmnha cbeça a mmtando — ele resmunga com o rosto enterrado no travesseiro, o que eu interpreto como “minha cabeça tá me matando” — Como foi que... Nós...
Estou parada no pé da cama, a mão na cintura e a outra roendo o polegar. “Ele não lembra de ontem a noite? Ele acha que nós dormimos juntos? Ele ainda tá drogado?” são perguntas que circulam por minha mente, enquanto eu o encaro.
— Não se lembra de ter me trazido aqui, ontem a noite? — resolvo ir com a pergunta mais obvia, mais recente. Não deve fazer mais de 14 horas que chegamos da festa.
— Não exatamente. — se levanta, sentando na ponta do colchão e coça a cabeça. — A noite de ontem tá um pouco turva.
Um sorriso malicioso nasce em meus lábios. Oh, isso é bom em tantos sentidos... Ele provavelmente não faz mais ideia sobre aquele lance estúpido de atropelamento que joguei em cima dele, no carro, o que é ótimo. Mas também não sabe como veio parar aqui ou quem o trouxe, o que é bem engraçado, também. Decido me aproveitar, pra balancear pelo lance do peito e da mão.
— Então não se lembra mesmo de ontem a noite? Do que aconteceu, depois da festa? — tento parecer ofendida e faço biquinho. Ele está confuso, mas se ajeita no lugar e tenta se lembrar. — Porque o sexo foi fantástico.
Alex congela no lugar, coçando a cabeça com mais afinco, dessa vez. Ele tosse.
— O... sexo?
— Você não lembra? — digo baixinho, olhando pro chão. — Porque eu não sei se vou conseguir esquecer...
Ele limpa a garganta.
— É... Claro, lembro. — lanço meu melhor olhar de cachorrinho e ele completa: — Definitivamente.
Tenho que me concentrar bastante para não rir. Sento no colchão ao lado dele e brinco com a barra da camisa, o confundindo ainda mais com minhas pernas a mostra.
— E lembra de falar sobre fidelidade e eternidade?
Sei que estou indo longe demais com a brincadeira e que ele provavelmente tá apavorado, mas foda-se, ele merece sofrer um pouquinho. Mordo o lábio para não me entregar com um sorriso.
A primeira coisa que ele pega ao se levantar é o maço de cigarros dentro da jaqueta de couro e um isqueiro. Depois se encosta no armário e dá uma tragada, decidindo o que dizer. Sustento olhar até que ele desiste de tentar me ignorar e olha pra mim.
— Você não se lembra sobre ter falado de fidelidade e eternidade, Alex?
Há um longo silencio.
Rolam bolas de feno entre nós dois.
Mais uma tragada.
— .... Eternidade?
— Sim. Sobre como você gostaria de algo pequeno e reservado, enquanto eu não me importaria com uma cerimônia de casamento com todos os nossos amigos e familiares. Em Dubai.
— Tá, eu não me lembro disso...
Minha risada ecoa pelo quarto e eu jogo um travesseiro nele, que desvia e o pega na mão, uma ruga de expressão na testa. É adorável, tenho que admitir. Não o fato dele achar a ideia de fidelidade comigo repugnante, mas como ele pareceu um garoto assustado, fazendo um grande contrapeso à personalidade de macho que ele sempre está fazendo.
— Não aconteceu nada entre nós. Você tava chapado e eu tava numa vibe meio pra baixo, então por estar tarde, você me ofereceu um teto e uma camisa. Só isso. Nada sobre eternidade, nada sobre fidelidade, nenhum casamento em Dubai.
Ele relaxa e quase sorri, do outro lado do quarto.
— Fazendo piadinhas às onze da manhã... Alguém acordou de bom humor. Tem certeza que a parte sobre sexo era mentira?
É estranho admitir, mas eu estou sim, de bom humor. Meu corpo quer rastejar para dento das cobertas mais uma vez, mas fazia dias que eu não acordava... Satisfeita. Eu tinha me esquecido de como uma boa noite de sono tranquilo pode influenciar no estado de espírito de uma pessoa. E dormir com Alex foi estranhamente tranquilo! Com exceção da mão no meu peito e na minha performance de Kung Fu Panda ao sair da cama, claro.
— Ainda dá tempo. — diz sentando ao meu lado, uma mão passeando pelo meu joelho.
Encaro a mão dele e intercalo meu olhar fulminante para a mão e seu rosto. Alex não recua.
— Tempo do que?
— De fazer aquela ultima sentença ser verdadeira.
— O casamento em Dubai? — pergunto só para provocar.
Ele rola os olhos. — Não, sexo. Nós ainda podemos fazer. Ainda há tempo.
— É claro que dá tempo. Sempre há tempo para sexo. — digo com delicadeza minha mão sobre a mão dele, em meu joelho. Ele me olha, arqueando uma sobrancelha e um pequeno sorriso brincalhão nos lábios. — Mas isso não quer dizer que eu queira fazer com você.
Retiro a mão dele da minha perna sem ser delicada e levanto, indo em direção ao banheiro e parando no batente, para dar uma ultima olhada no seu corpo sem camisa. Imagino que ele vá ficar frustrado ou puto com o meu comentário, mas quando meus olhos pousam sobre Alex, ele está sorrindo.
.:.
Saio do banho com os cabelos ainda molhado e enrolada numa toalha, para perceber que não tenho roupas limpas penduradas na porta, como sempre acontece na minha casa. Não só não tenho roupas limpas ao meu alcance, como as roupas que estava usando noite passada estão a pelo menos dez passos, jogadas perto da cama...
No quarto de Alex. No quarto onde um Alex sem camisa e concentrado no violão se encontra. Praticamente nua, no quarto de Alex Turner. Oh, Deus, isso não pode ser bom...
Abro vinte centímetros da porta e coloco a cabeça pra fora.
— Uhm... Você podia pegar as minhas roupas? — a cabeça pende pra um lado e ele está cantarolando uma musica num tom muito baixo, mais concentrado nas notas do que no que digo. — Alex?
Ele levanta a cabeça e me olha com atenção sem que seus dedos parem de se mover nas cordas.
— Pode pegar minhas coisas, aí no pé da cama? — pergunto — Minhas roupas.
Alex vira a cabeça pra um lado e pro outro lentamente, negando.
— Eu preciso das minhas roupas, porra!
— Então vem buscar. — o olhar que me lança é desinteressado e malicioso, mas antes que eu possa ter certeza, ele vira atenção para o violão e começa a cantarolar de novo.
Eu urro, fechando a porta com raiva e me olho no banheiro; o cabelo molhado, o corpo úmido e a toalha branca enrolando meu corpo. “Por favooooor” eu imploro do lado de dentro, mas ele só responde aumentando a velocidade da musica e o tom da voz, me ignorando. Argh.
Empurro a porta com o pé e ela abre quase quarenta centímetros, revelando metade do meu corpo. Lá está ele sentado numa cadeira há uns dois passos da cama, imerso em sua musica. Aqui estou eu, em pé no batente da porta do banheiro há uns dez passos da cama, imersa no receio de chegar perto demais, estando nesse estado.
— Al, preciso de... Wow. — Matt entrou no quarto, mas parou na soleira da porta, meio sem saber como agir. Ele coça a cabeça e se vira para sair, mas eu o chamo com uma voz doce.
— Você podia fazer algo por mim?
— Não acho que haja nada que eu não faria para uma garota seminua...
— Pode pegar minhas roupas, no pé da cama? Essas aí que estão jogadas perto dos cobertores. — esclareço com um aceno e resmundo: — E eu não estou seminua!
Matt e Alex trocam um olhar cúmplice e Matt sorri quando Alex nega com a cabeça, lentamente.
Ah, que se foda, murmuro pra mim mesma, enquanto aperto a toalha contra meu corpo e abro a porta rapidamente, seguindo em direção à minhas roupas. Os olhares dos dois me seguem, sem desviar, e eu sinto vontade de cortar os bagos deles com a tesourinha de unha.
— Porque não tira um pedaço e leva pra casa? — minha voz não esconde a irritação.
Ele só me olha como se não esperasse que eu dissesse aquilo e dá um sorriso.
— Eu posso?
— Porque o jeito que tá olhando faz eu me sentir um Big Mac. — digo tentando usar o cabelo para cobrir minha clavícula e algo que a toalha não conseguiu
— Nah, americano demais. Tá mais pra um... — Vira a cabeça e pergunta — Matt, nós sabemos o nome de alguma comida brasileira?
Matt para por um segundo, pensando na resposta. — Caipirinha?
Quase rio, mas entro no banheiro rápido o suficiente para que eles não vejam que eu não estou exatamente com raiva, apesar da natureza irritante dos Monkeys. Porque eu estaria sendo hipócrita se dissesse que não é algo meio “Stop making the eyes at me, I'll stop making the eyes at you. And what it is that surprises me, is that I don't really want you to”.
Saio minutes depois com as mesmas roupas de ontem e os dois estão em uma conversa entretida sobre algo que não entendo. Coço a garganta.
— Espero que não esteja se esquecendo sobre nosso trato. — ele me encara. — A reforma do meu apartamento? Como eu te dei uma surra na sinuca e você tá me devendo mão de obra?
— Alex não está acostumado a perder, então duvido que vá esquecer de ontem... — Matt diz.
— fuck off. — responde pra Matt e se vira para mim. — Não, eu não esqueci.
— Ótimo! Porque eu tava pensando que a gente pode começar hoje.
— Hoje? —pergunta fazendo uma careta.
— Agora, aliás. Tome um banho, coma alguma coisa e aparece lá em casa. E não vá usar nada que não se incomode em sujar.
— Oh, we’re playing dirty tonight? — pergunta com um sorrisinho cretino.
Acompanho o sorriso e saio do quarto. — Bem que você queria.
.:.
São pouco mais de 14 horas e eu tenho quase certeza que Pablo não está em casa, mas ainda sim giro a chave com uma lentidão extrema, esperando que o chaveiro não faça barulho. Abro a porta sem fazer força e encontro o lugar parcialmente escuro, a sala iluminada só pelas frestas da janela, o que me faz suspirar aliviada.
É quando a poltrona na frente da TV gira, revelando Pablo me encarando com olhares questionadores e me assusta fazendo dar um gritinho contido.
— Jesus, Maria, José! — digo levando a mão no peito. — Você quase me matou de susto!
— Para uma pecadora que nunca voltou da festa noite passado e retorna com a mesma roupa, você é bem religiosa. — diz com um sorriso “eu sei o que você fez verão passado”.
Ando até meu quarto e volto com camiseta surrada e uma calça cargo folgada e velha.
— Mandei mensagem... Desculpa se você ficou preocupado. — digo evitando contato visual.
— Preocupado? Preocupados deveriam estar seus pais incrivelmente conservadores, se soubessem que você passou a noite com um cara da estirpe de Alex...
— Estirpe? Desde quando você usa palavras como “estirpe”? — zombo.
Ele da de ombros. — Sou uma bicha intelectualizada.
— Comprou o que eu pedi? — pergunto tentando mudar de assunto.
— Você diz os galões de tinta e a lona para cobrir os móveis? Claro, mas não sei porque. Você sabe que não temos grana para gastar com luxos como trocar a decoração da sala...
— Não é questão de decoração, Pablo. Essa sala? —gesticulo a mão para as paredes — É deprimente. Quero dizer, quem consegue acordar feliz numa sala marrom-merda? E está completamente descascada em alguns pontos! Nem os quadros baratos que você pendura não conseguem esconder.
— Ei, não ofenda os quadros... — diz parecendo ofendido.
— E não vamos precisar de um pintor profissional. Alex vai — coço a garganta — ajudar com algumas coisas.
A risada escandalosa de meu companheiro de aluguel me assusta.
— Você deu pra ele! Sem chance de um cara ajudar em trabalhos braçais se você não deu pra ele. Oh, você deu, não deu?
— Eu não dei para ele, Pablo! — minha boca faz um “o” chocado e eu rio. — E não diga “dar”, é uma expressão horrorosa.
— Tudo bem: você fez amorzinho gostoso com ele, Olivia? — pergunta mordendo o lábio, zombando de mim, fazendo eu revirar os olhos.
Nós dois rimos, enquanto eu o esbofeteio com uma almofada.
— Ganhei uma aposta, noite passada. O trato era ele me ajudar na reforma do apartamento.
— Você teve a oportunidade de pedir qualquer coisa, mas a única que pensou foi “ajudar na reforma”? — o encaro de volta, a expressão vazia. — Você está fazendo um astro do rock em pedreiro?! Oh, Olivia, eu amo você cada vez mais...
Pablo diz que precisa ir a um teste e a casa de um cara com quem está saindo, o que me deixa mais tranquila e mais nervosa. Por um lado, é melhor já que vou passar a casa com Alex sem ter que ficar constrangida dos olhares e insinuações de Pablo, mas por outro lado é pior, porque, bem, vou passar a tarde sozinha com Alex.
Troco a roupa da noite passada pela calça folgada e camiseta surrada, pelo menos um numero menor do que eu visto. Não é um visual legal, mas não pretendo deixar respingos de tinta cair em uma roupa bacana; não é como se eu pudesse gastar minhas economias em muitas roupas, como eu queria.
Estou prendendo o cabelo num coque frouxo quando ouço a campainha tocar.
Abro a porta e encontro um Alex vestindo camisa do AC/DC desgastada e uma bermuda cinza. Ele está limpo e olha para meu cabelo com aprovação tirando uma mecha que ficou de fora, do meu rosto.
— Minhas mãos de homem são suas. — diz referindo-se ao meu pedido da noite passada, quando eu disse que precisava de mãos masculinas para o trabalho e que as de Pablo não se aplicavam.
Uhm... Mãos? Beleza, posso trabalhar com isso.

Um comentário:

  1. ai meu pai, cadê essas mãos de homem aqui na minha casa!? SOS
    Gosto desse capítulo pela participação do Matt, ele quando junta com o Alex sempre da numa situação sacana #adoro

    ResponderExcluir

Não precisa estar logado em lugar nenhum para comentar, basta selecionar a opção "NOME/URL" e postar somente com seu nome!


Se você leu o capitulo e gostou, comente para que as autoras atualizem a fic ainda mais rápido! Nos sentimos extremamente impulsionadas a escrever quando recebemos um comentário pertinente. Críticas construtivas, sugestões e elogios são sempre bem vindos! :)